Cinco Segundos - Capítulo III: Testemunhos Avulsos no Paraíso do Pecado
Estava ali sem saber bem o que fazer, esperando que o homem do rosto brutal chegasse a casa. Ao seu lado o Massa Lenta mexia-se inquieto.
- Não sei como é que deixei que me metesses nesta história. Devo sofrer de senilidade precoce. – mandou-o calar com um gesto porque entretanto alguém se aproximava. O Massa Lenta fizera uma pequena consulta clandestina à base de dados populacional da polícia e descobrira o ficheiro do homem. Lucius Esteban, geralmente desempregado e ocasionalmente ocupado em coisas pouco honestas, mas nunca apanhado. O único facto estranho na sua ficha eram duas palavras aparentemente sem sentido naquele contexto: Tidal Wave.
Talvez ele próprio os esclarecesse.
- É ele! – sussurrou o Massa Lenta.
Deixaram-no abrir a porta e depois avançaram da esquina do corredor onde se tinham ocultado. Antes que pudesse fazer alguma coisa tinha o cano de uma arma encostado ao nariz.
- Esta coisa faz um grande buraco, percebes? – ele concordou com um pequeno movimento da cabeça – Então continua caladinho e entra.
Atirou-o para cima de um sofá e colocou os Hu-Yang espelhados.
- Conheces? – interrogou – Ou achas que estás pouco parecido com aquilo que és na realidade?
- Não percebo...
- Já vais perceber. – disse o Massa Lenta esfregando a sua faca na manga do casaco.
- Esse aí, nos óculos... sou eu mas... não percebo!! Como é que estou aí?!
- Amigo: isso era o que nós gostaríamos que nos explicasses. O que fizeste com Vinnie e quem te mandou lá? Foste tu que montaste o dispositivo hipnótico no elevador?
- Não sei do que estão a falar, juro!
- Deixa-me usar a faca. Ele fala logo. – o Massa Lenta avançou para o homem mas logo foi atirado para trás pelo sopro da explosão. No sítio onde estivera a janela havia agora um buraco por onde entrava o ar fresco da noite.
- Merda! Massa Lenta, estás bem? – o Massa Lenta tentava levantar-se ao mesmo tempo que sacudia os destroços da mobília e os pedaços de Lucius Esteban de cima dele.
- Acho que sim, Rickert. – o sangue escorria-lhe dum golpe na testa – Isto foi um rocket da polícia, é melhor sairmos daqui.
- Sim, Lucius Esteban não pode dizer-nos mais nada.
Desceram pela escada até à cave do edifício com os berros dos grabbers cada vez mais próximos.
- Pelos esgotos?!
- Pelos esgotos. – assentiu Rickert – A liberdade paga-se caro, Massa Lenta.
- Eu digo que ele não sabia de nada, acho que foi condicionado como tu. E aquela aparição súbita da polícia não me agradou nada.
- Alarme no ficheiro do Lucius? – o Massa Lenta concordou com um grunhido.
- São armadilhas quase impossíveis de detectar. Nós já éramos intrusos no sistema, era pedir muito que fosse possível detectarmos as suas subtilezas. Eu se fosse a ti não punha mais os pés no apartamento.
- Não o pretendo fazer. Depois disto, só nos resta um caminho.
- Entregarmo-nos?
Rickert olhou de lado para o Massa Lenta e pousou o copo na mesa.
- Vamos começar pelo fim. – o Massa Lenta mostrou sinais de incompreensão – Vamos começar pelo beco anónimo onde apareci. – explicou.
- E se ninguém tiver visto nada?
- Existe sempre alguém que viu alguma coisa, Massa Lenta, convence-te disso. Só é necessário dinheiro se forem sensatos, ou persuasão se pedirem demais. Existem sempre testemunhas, e são elas que nos vão ajudar a desvendar este imbróglio. Mais cerveja?
Rickert parou de repente.
- É este. – disse para o Massa Lenta.
- Então vamos indagar nos restaurantes e bordéis mais próximos.
Não era dos mais miseráveis, mas não tinha o luxo dos que existiam alguns quarteirões mais à frente. Era apenas um bordel normal para quem não era rico e procurava prazer. Existiam centenas como aquele no Sinheaven, todos iguais e diferentes. Rickert conhecia-os bem embora não fosse um assíduo frequentador. Quando se podem ter as coisas de graça não se vai pagar por elas.
- Podemos falar com o patrão?
- A patroa não está.
Rickert olhou para o Massa Lenta e depois novamente para a rapariga da recepção.
- Então queremos dois quartos.
- Querem ver o catálogo?
- Não é necessário, qualquer uma serve desde que o quarto tenha vista para o beco. – ela olhou espantada com a exigência: as que lhe costumavam pôr não tinham geralmente a ver com a localização dos quartos.
- Ok. – entregou uma chave a cada um e dirigiu a sua atenção para o cliente seguinte.
- Diverte-te Massa Lenta.
O quarto era pequeno e cheirava a mofo mas estava razoavelmente limpo. A luz era indirecta e suave e a rapariga não parecia feia.
- O meu nome é Kim.
- O meu não. Trabalhas sempre neste quarto?
- Talvez. Porquê?
- Queria saber se nos tempos mortos olhas muito para o beco.
- Não tenho muitos tempos mortos. Afinal vieste aqui só para me fazer perguntas?
- De maneira nenhuma, – começou a tirar a roupa – mas fizeram um trabalho sujo a um amigo meu há três dias atrás e largaram-no neste beco. Gostava de saber se alguma de vós viu alguma coisa.
Ela também já estava nua e estirada na cama.
- O teu cabelo cheira muito bem. – ela sorriu-se.
- Eu não vi nada, mas a Mara contou-me qualquer coisa. Não lhe dei muita atenção por isso é melhor falares com ela.
- Qual é o quarto dela?
- Não está cá esta semana. Depois dou-te a morada dela mas agora é melhor prestares atenção ao que estás a fazer. – Rickert também achou que devia.
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